Como conversar com um fascista: o desafio do cotidiano brasileiro

No final de outubro, a filósofa Marcia Tiburi lançou seu mais novo livro “Como conversar com um fascista – reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro”,  que problematiza o regime de pensamento praticado no Brasil, considerando o cenário político dos últimos cinco anos.

Em meio a um declínio, no que se refere à questão da educação e, consequentemente da produção de pensamento crítico-reflexivo, o livro nasce quase a partir de um grito de socorro, um grito mudo; que pede o diálogo – e talvez nem saiba. Prova disso, foi o esgotamento da primeira edição antes mesmo do lançamento “oficial”, que ocorreu no último dia 05, no Rio de Janeiro, e os mais de 1300 seguidores em menos de duas semanas, na página aberta no Facebook.

  Com prefácio do jornalista e Deputado Jean Wyllys – que, cá entre nós, é uma das figuras mais corajosas, que há tempos tem enfrentado uma corja de fascistas na Câmara – e apresentação do juiz de Direito Rubens Casara, a filósofa se debruça sobre aquele sistema de pensamento orquestrado pelo ódio, disseminado na internet por sujeitos – ou talvez  valha dizer objetos – que reproduzem  discursos prontos, falaciosos e irreflexivos do próprio sistema que o alijou do direito a uma Educação emancipatória, no que tange à abrangência do campo do conhecimento e reconhecimento da diversidade sociocultural, num país tão rico em termos de pluralidade.

  Mas a fase em que vivemos é tensa e anti-política. Marcia diz uma  coisa genial (entre tantas!) sobre a relação entre povo, política e poder, que, a meu ver, é um convite de engajamento no ativismo e militância por todxs aquelxs que estão fora – ou que de alguma forma foram excluídxs – da forma tradicional de se fazer política no Brasil, que é a seguinte: “Podemos dizer que as pessoas, indivíduos e grupos, odeiam, sobretudo a política e que os políticos (savaguardando exceções) odeiam o povo, se quisermos pensar no ódio em nível sistêmico”. E eis que o cenário torna-se o que a autora chama de círculo vicioso do vazio do pensamento – repetitivo e imitativo – e que eu chamo de aniquilador. Não tem fim. A menos que façamos algo; a menos que adentremos na política partidária e façamos um trabalho de reestruturação radical. E o convite é esse. E não serão mais homens governando. Serão mulheres. Feministas.

A produção de textos filosóficos de Marcia Tiburi é brilhante, porque tirou a  filosofia daquele lugar, digamos, hermético, e a trouxe para o cotidiano,  no sentido de uma abertura cuja prática se baseia em “fazer junto”, com o outro. Neste livro, em especial, trazendo de forma quase didática – e simples, sem ser simplória – uma reflexão que põe o leitor em contato consigo ao problematizar o ódio ao outro que advém essencialmente da ignorância, cuja a capacidade de pensar foi paralisada.

É uma leitura deliciosa que te faz questionar se algum dia você já foi um fascista em potencial, compreender o que há por trás de quem profere um discurso de ódio , além de ser um dispositivo fundamental para lidar com aquelas frases cotidianas do tipo: “Todo mundo faz”, “Sempre fiz assim”, etc., etc. e qualquer outra explicação sobre o livro pode tender ao reducionismo, a alguma limitação – o que de fato é impossível, já que se trata de um dispositivo de abertura ao outro através do diálogo.

Gostaria que, por fim, esse livro fosse lido pelos sujeitos malucos que criam leis que tiram os direitos das mulheres e o direito ao próprio corpo, pelos (anti)políticos que querem fechar escolas e encarcerar crianças, que proíbem a juventude negra e pobre de frequentar praias, por aqueles que criam estatutos que afirmam que uma família é composta apenas por mamãe, pai e filho, por aqueles que assassinam os povos indígenas originários desta terra, em nome do agronegócio e de interesses próprios, etc. Mas se isso não for possível,  você pode dar de presente ou melhor: ler para o sujeito, ajudando-o a pensar, con-versando. Não é uma boa ideia? Diante da crise (socio)econômica que assola o país, certamente será o único presente que deveria ser investido neste Natal.

Presenteei um inimigo e ganhe um amigo!
Presenteei um inimigo e ganhe um amigo!

Publicado por Bruna Malaquias

Jornalista, paulistana. Feminista problematizadora, interessada em questões de gênero, sexualidade, teoria #queer, indústria cultural, sociedade do espetáculo, psicanálise, filosofia, documentários, cultura POPular.

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